Quando engravidei, meu marido, na melhor das intenções, me presenteou com o tradicional livro “O que esperar quando você está esperando”. Não passei da terceira página. Acho que, tecnicamente, por eu ser pediatra, o livro aborda muitas coisas que eu já sabia, mas o que me incomodou foi a falta de profundidade para tratar de uma questão que, certamente, seria um marco (o principal) na minha vida.
Estudamos e nos preparamos absurdamente para o mercado de trabalho. Paradoxalmente, quando somos expostas ao maior desafio das nossas vidas, somos atropeladas por uma série de questões que, a meu ver, não passam de perfumaria. Sim, é legal planejar o quartinho, fazer fotos grávida, pensar em quantas mudas de roupas devemos levar para a maternidade. Mas isto deveria ocupar uma parte mínima destes longos nove meses de espera.
Quando percebi isto, fui procurar leitura de qualidade. Me deparei com o maravilhoso “Maternidade e o encontro com a própria sombra”, da Laura Gutman. Não concordo com algumas coisas que estão escritas, mas a ideia geral de que a (boa) maternidade parte do autoconhecimento me agrada. Me agrada muito.
Em tempos onde “treinadoras do sono de bebês” ganham dinheiro e a entrega exigida pela maternidade é démodé (afinal, homens e mulheres tem a mesma obrigação, ambos são pais – spoiler: o filho é sim, da mãe e somos biologicamente programadas e perfeitas para isto), onde é preciso voltar (e rápido) ao mercado de trabalho (e também ao corpo, a libido e a vida social de “antes”), onde ser mãe é apenas um item a mais no longo check list das coisas que “temos que”, onde terceirizar os filhos é quase regra, este livro é um carinho na alma: sim, você pode e deve ser mulher, fêmea, leoa, bicho. Sim, se tudo der certo, a maternidade vai te desconstruir e te reconstruir todinha: diga adeus à mulher que você foi antes de ser mãe, viva este luto e acolha, com carinho, quem você é agora. Maternidade é, antes de mais nada, o encontro com a própria sombra e por isto ela é uma experiência tão individual.
“O que não foi atendido na infância fica pendente para o futuro”. Nós, como mães, temos obrigação de deixar o menor número de pendências possível
Dra. Fernanda Mocelin – Pneumopediatra – RQE 27.163