Dra. Fernanda Mocelin

Precisamos falar sobre depressão

Esta noite não dormi. Não dormi porque uma menina de 21 anos, estudante de Medicina, pulou da janela do meu prédio. Não dormi porque pensei que, talvez, algo pudesse ter sido feito. E não foi. Não foi, porque ninguém fala em depressão. Na faculdade de Medicina, muito menos. Você passou no vestibular mais concorrido, você terá uma profissão que trará bom retorno financeiro. O que mais precisa pra ser feliz?

Pra mim, parece óbvio que precisa de muito mais. Precisa , em primeiro lugar, que os neurotransmissores estejam em dia. Sim, a depressão é doença , precisa de tratamento. Quando comentei sobre este acontecimento , muitos tentaram achar os motivos. E me surpreendeu que muitos questionaram a responsabilidade dos pais nesta tragédia. Que pesado. Que injusto.

Não conheço uma mãe que não esteja dando o seu melhor, mesmo que o seu melhor seja limitado. Conheço crianças que vieram de lares problemáticos e que são adultos de uma força e maturidade emocional impressionantes. Conheço crianças que tiveram infâncias maravilhosas, pais presentes e adequados , mas que na vida adulta , simplesmente, não viram mais sentido.

Não há regra. E aonde quero chegar? Quero chegar ao que assusta: a (boa) maternidade não garante nada. Ajuda, mas não garante. Não há nada que você irá fazer como pai ou como mãe que possa, com certeza, evitar um desfecho trágico. Que possa evitar a depressão . A depressão que é doença, não escolha.

Eu, como mãe e como pediatra, me coloquei no lugar desta mãe. Me desesperei. Me desesperei porque tenho certeza de que ela fez o que achava certo. Porque alguma coisa estava fora do alcance dela e esta é a maternidade real: pouco controle, por mais que façamos coisas para que (santa ilusão!), nos sintamos no controle. Porque a depressão é doença invisível e letal, que dá medo. Tanto medo, que em pleno século XXI, as pessoas acham que é coisa de gente fraca.

Nós precisamos falar sobre depressão. Em casa, nas escolas, na faculdade. Saúde mental deveria ser disciplina obrigatória. Na vida.

E me vejo obrigada a questionar: até quando os estudantes (de medicina ou não) serão vistos apenas como notas do ENEM? Seria loucura uma triagem psiquiátrica para todos que entram na faculdade? Seria utópico demais falar abertamente sobre depressão e suicídio? Sinceramente? Acho que sim. Não há tempo e nem espaço para falar em saúde mental, quando só se fala em estar pronto para o mercado de trabalho, que é competitivo e implacável. E o mercado de toda uma vida? Quem está pronto levanta a mão.

Sempre acho válido citar Andrew Solomon em seu maravilhoso best seller sobre depressão , chamado O demônio do meio dia: “O contrário da depressão não é a felicidade, mas a vitalidade. É ela que desaparece na depressão”. Que estejamos atentos ao brilho no olho dos que nos cercam.


Dra. Fernanda Mocelin – Pneumopediatra – RQE 27.163